terça-feira, 17 de janeiro de 2012

QUEM TEM MEDO DA DOUTRINA? EU NÃO,SÔ!


Por Marcelo Lemos

Já faz um tempo que escrevi "Razões para não estudar teologia", artigo que foi erroneamente interpretado, por algumas mentes menos preparadas, como sendo uma critica a Teologia em si mesma. Interpretação prá lá de equivocada. Não apenas tenho grande apreço pela Teologia, como também considero o exercício teológico como sendo a atividade mais importante a qual o homem pode dedicar-se. Se é a Teologia o "estudo sobre Deus", que de mais importante pode haver?
Uma pretensa piedade pode tentar responder que mais importante que pensar sobre Deus é crer em Deus, ou então, fazer a vontade de Deus. Agora observem: até para se afirmar que mais importante que pensar sobre Deus é crer ou obedecer a Ele, se fez necessária uma prévia reflexão sobre Deus; ou seja, se faz necessário o pensar teológico. Pode-se, então, dizer que para negar o valor da Teologia, ou diminuí-lo, é preciso teologar (e isso prova justamente o contrário, que ela é absolutamente indispensável). Mas, voltemos ao ponto. Que é mais importante? A atividade teológica ou o crer e obedecer a Deus? Certamente é preciso crer e obedecer; todavia, é possível que qualquer destas coisas exista divorciada da reflexão? Qualquer destas qualidades espirituais surge no vácuo, totalmente alheia ao pensamento? Ou, ao contrário, elas brotam na mente regenerada pelo Espírito Santo?
"Os cristãos devem afirmar que, visto que estudar teologia é conhecer a Deus, e esse é o maior propósito do homem, a teologia, portanto, possui valor intrínseco. Jeremias 9.23,24 diz - 'Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio em sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o SENHOR, que faço beneficiência, juizo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR'" (CHEUNG, Vincent; Teologia Sistemática; Editora Monergismo).

O homem deve crer em Deus. Esse crer implica algum tipo de reflexão sobre Deus? O fenómeno 'religioso' está presente em toda a humanidade, ao longo de todos os tempos. Trata-se de uma constante tão facilmente observável, que muitos se valem dela como um argumento a favor da existência de Deus. Mas, se por um lado a humanidade está unida pelo fenómeno 'religioso', por outro há uma verdadeira torre de Babel no tocante a Verdade. O Budista, por exemplo, não acredita em um Deus pessoal, em pecado ou Redenção. Quem é Deus? O que Ele deseja? O que Ele faz? O que Ele exige? Como podemos nos aproximar d'Ele? Vê-se que o "crer" não pode estar dissociado de toda e qualquer reflexão, muito pelo contrário!
Há um conteúdo necessário a fé, sem o qual ela perde seu valor, e pode até mesmo transformar-se em impiedade e heresia. Ainda que o espírito anti-intelectual que atualmente predomina sobre a mentalidade evangélica possa julgar tais observações frias e áridas, sua hipocrisia será facilmente demonstrada. Venha comigo até um culto qualquer, numa Igreja qualquer, onde o pregador se glorie em "falar mal de teólogos e teologia". No púlpito desta mesma Igreja pode se encontrar severas criticas a imagens de santos, procissões, e as heresias dos Mórmons e Testemunhas de Jeová. Se a fé prescindisse de algum conteúdo minimamente necessário, por qual razão os evangélicos simplesmente não se unem aos católicos romanos, ou aos adventistas do sétimo dia? A resposta é bem simples: estes grupos defendem doutrinas que consideramos erradas e perigosas, de modo que preferimos manter uma distância segura. Queda provado, pela experiência mais simples, que a fé exige algum tipo de conteúdo.
Ora, esse conteúdo exigido pela fé é predominantemente intelectual. Não é um mero sentimento que separa evangélicos e testemunhas de Jeová, por exemplo; antes, estamos separados por razões teológicas muito precisas.  E mesmo que, como vimos, isso possa ser facilmente demonstrado empiricamente - ou seja, pela experiência -, a própria Escritura é suficiente para demonstrar, infalivelmente, o mesmo fato.
Hebreus 11.6 diz: "Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe, e que é galardoador dos que o buscam". Talvez esta seja uma das descrições mais belas que a Escritura nos dá sobre a fé. É uma fé que exige certo conteúdo intelectual. (1) Primeiro, a fé necessária exige que o homem creia que Deus exista. Aqui temos um exercício intelectual: a afirmação da existência de Deus. (2) Segundo,  a fé necessária exige que o crente acredite que Deus recompensa aqueles que Dele se aproximam. Estamos diante de outro exercício intelectual: nem todos crêem que Deus existe e é galardoador. Vejam os deístas, para os quais Deus existe, mas mantém-se a uma boa distância de sua criação. A fé cristã exige uma negação do Deísmo, e uma afirmação cristalina do Teísmo: Deus existe, está perto de nós, e interfere ativamente nos assuntos humanos. Isso não se parece em nada com uma fé "no vácuo", mas é, sim, uma fé com conteúdo intelectual.
Há várias crenças sobre Deus e Cristo, mas existe certo conteúdo indispensável a verdadeira fé. Por exemplo, é impossível ter fé verdadeira em Deus e negar a Humanidade de Cristo: "Amados, não creiais em todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus..." (1 João 4.1,2). Outro exemplo é o máximo destaque dado por S. Paulo a doutrina da Ressurreição de Nosso Senhor. Segundo o Apóstolo, crer nesta doutrina cristã é necessário para a salvação: "Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração credes que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação" (Romanos 10. 9,10).


"Há, de fato, uma necessidade de estudar doutrina? Não basta que eu simplesmente ame Jesus? Para algumas pessoas, a doutrina não só é desnecessária, como também indesejável..." (ERICKSON; Millard J.; Introdução a Teologia Sistemática; Editora Vida Nova; pg. 17).

Não basta, portanto, que alguém afirme "amar a Deus", ou a "amar a Cristo". Ora, o amor que devemos ao Deus Triúno não é a paixão amorosa canonizada em certos corinhos "gospel". Há no verdadeiro amor a Deus certo conteúdo intelectual que pode ser conhecido e verificado. 1 João 5.2 diz: "Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos". Posso ouvir a estridente objeção: Você está transformando o cristianismo em mero exercício intelectual? Na verdade, estou apenas demonstrando um fato bíblico: a fé cristã não está divorciada de certo conteúdo intelectual (que assumimos estar disponível nas Escrituras, claro). Há em nossos dias um cristianismo emotivo, floreado; uma religião de sentimentos e de emoções a flor da pele; uma religiosidade que não se importa com fatos, e que entende o esforço para se compreender a Verdade como sendo inútil, dispensável e até mesmo prejudicial.
Todavia, mesmo que isso desaponte alguns, a realidade é que a fé cristã baseia-se em fatos, não em sentimentalismos. Como o cristão pode saber que tem Deus em sua vida? 1 João 4.12 nos fornece a pista: "Ninguém jamais viu a Deus; se nós nos amamos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é perfeito o seu amor". Não conhecemos a Deus, sua vontade, e nosso estado espiritual diante d'Ele, através de 'chiliques' ou convulsões pretensamente espirituais; antes, conhecemos a Deus através do entendimento, guiados pela Revelação Bíblica. Entretanto, os evangélicos pretendem canonizar a Ignorância, e beatificar os idiotas?
Como afirma corretamente o teólogo reformado Charles Hodge, a mente humana é constituída de modo tal que é absolutamente impossível que o homem deixe de sistematizar os fatos que toma como certos. Em toda e qualquer área do saber humano é preciso que haja julgamento, seleção e organização dos fatos. É desse modo que ocorre o avanço do conhecimento humano. Podemos acrescentar que tal constituição da mente humana é obra do próprio Deus, e que não deixa de ser válida quando trata-se de conhecimento teológico.
"Desse modo se adquire uma classe muito superior de conhecimento do que aquele que se consegue pela mera acumulação de fatos isolados. Uma coisa é saber, por exemplo, que existem oceanos, continentes, ilhas, montes e gente por toda a superfície da terra; coisa bem melhor é saber as causas que tem determinado a distribuição da terra e da água sobre a superfície do nosso globo; a configuração da terra; os efeitos desta configuração sobre o clima; sobre as raças de plantas e animais, sobre o comércio, a civilização e o destino das nações..." (HODGE, Charles; Teologia Sistemática; Editorial CLIE).

Estes princípios continuam válidos quando o tema torna-se a respeito do nosso dever de obedecer a Deus. Devemos crer em Deus, e isso exige certo conteúdo intelectual de nós, como vimos acima. O mesmo se aplica ao nosso dever de fazer a vontade de Deus. Fatos bíblicos isolados tem sido a causa de muito prejuízo para o povo de Deus, e a causa de muitas heresias que nos cercam. Todas elas, diga-se, nasceram do desejo de obedecer a Deus, e cumprir toda a sua vontade. Mas falharam terrívelmente. Alguns exemplos nos auxiliarão a demonstrar este ponto.
O próprio desprezo pelo saber doutrinário é vitima deste mal agir. Que tal aquele pastor que despreza a teologia desejando ser fiél a certo conselho paulino, que nos afirma "a letra mata, mas o espírito vivifica"? Não é certo que seu equívoco é fruto justamente da falta de uma correta reflexão e sistematização de um fato bíblico? Temos aqui um fato - "a letra mata, mas o espírito vivifica" (II Coríntios 3.6) - todavia, há questões que precisam ser respondidas para que o interpretemos adequadamente: quem disse isso? a quem? quando? por quais razões? Colocando este fato numa perspectiva correta, ou seja, analisando II Coríntios 3.6 dentro do contexto da carta de Paulo, e a luz do Novo Testamento, este pastor poderia descobrir que a "letra" que "mata" refere-se a Antiga Aliança, "gravada em pedras" (cf. v.7ss), e não a Teologia.
Este pastor, e uma multidão considerável atrás dele, concluiu que obedecer a Deus exige abrir mão e até desprezar o saber teológico. No entanto, a conclusão está equivocada - como acabamos de demonstrar.  De modo que, de forma bem simples e direta, facilmente se demonstra que obedecer a Deus também exige do cristão algum conteúdo intelectual. Em outras palavras, para poder obedecer a Deus é necessário conhecer algumas coisas, do contrário, não saberemos qual é a vontade de Deus, e o que ele exige de nós.
Quanto eu era garoto carregava comigo uma enorme lista de "pecados" que eu deveria me esforçar para não cometer: não assistir TV, não participar da aula de educação física (jogar bola era pecado), não colocar minhas mãos no fliperama, não ir a festa de incrédulos (mesmo que fosse parente), não usar "calça curta" (bermudas e shorts), e assim por diante. Mais tarde eu descobriria outras proibições mais decepcionantes, como não beber sequer uma taça de vinho, ou fumar. Já superei aquela fase, mas, teve seu lado bom; especialmente porque naquele tempo eu sabia exatamente o motivo dos judeus agradecerem ao SENHOR por não terem nascido mulher. Ora, a lista de pecados que minha irmã deveria evitar era muito mais sinistra e pesada: não usar calças, não usar saias acima do joelho, não usar brincos, colares ou pulseiras, não pintar as unhas ou usar qualquer tipo de maquiagem - e claro, o melhor de tudo, não podia andar de bicicleta. Essa última proíbição colocava as mulheres em seu devido lugar: não andar de biclicleta!. "Ah, Deus, como eu te agradeço por ter nascido um pentecostalzinho homem!".
Bem, lá estava eu com meu enorme fardo, que de tão pesado, me fazia pensar que merecia o céu mais do que certos cristãos mundanos que eu via aqui e ali. Eu julgava que sabia exatamente o necessário para obedecer a Deus. No entanto, eu carregava uma proibição muito mais interessante que todas as outras juntas: eu não podia estudar teologia. De fato, quando aos 16 anos resolvi entrar para o Seminário, meu pai ficou sem falar comigo quase um ano, já que o pastor insistia que Teologia era coisa de "crente frio e incrédulo". Foi minha mãe quem peitou tudo e todos e bancou meu primeiro ano. No entanto, mesmo com tal proibição, nós achávamos que sabíamos como obedecer a Deus. Traduzindo: éramos teólogos feitos nas coxas que se achavam no direito de desprezar a Teologia. Guardadas as devidas proporções, o mesmo diagnóstico pode ser feito de todo aquele que pensa saber como obedecer a Deus, ao mesmo tempo em que despreza o saber teológico.
Admito que, em certos aspectos, estamos muito melhor hoje. O anti-intelectualismo predominante no pensar evangélico atual não é, contudo, um obstáculo fácil de transpor. Há uma abertura quase inédita para a teologia em certos círculos pentecostais e, acreditem, se tem notícia de igrejas e ministros estarem aderindo a Teologia Reformada. Além disso, poderíamos ainda citar o grande avanço e poder da Teologia Reformada entre os evangélicos de nosso tempo, um fato que a Internet tem ajudado a solidificar. No entanto, voltando a tomar o pentecostalismo como exemplo - por encontramos nele grandes modelos de anti-intelectualismo - mesmo com todo avanço, e mesmo entre aqueles que promovem grandes avanços doutrinários, ainda podemos verificar o quanto se teme o saber teológico.
Recentemente tive o prazer de ler mais um livro do meu querido Ciro Sanches Zibordi. Refiro-me ao seu best-seler "Evangelhos que Paulo Jamais Pregaria", editado pela CPAD. Um livro muito bem escrito, como é de costume nos textos do Pastor Ciro, e muito útil para a Igreja atual, especialmente em sua denúncia contra certos modismos que tem invadido nossas comunidades de fé. No entanto, apesar de suas qualidades, não se pode deixar de notar ali, mesmo se tratando de um livro teológico, um ponta de preconceito contra a Teologia. Vou citar um ou dois exemplos para demonstrar o caso.
Tenho em mente, em primeiro lugar, e de modo especial, o Capítulo 5 da referida obra, cujo título é "Arminianista ou Calvinista?", e cujo subtítulo diz: "O Evangelho Teológicocentrico". A se julgar pelo título do capítulo, a intenção do autor é criticar aqueles que se colocam ou do lado de Arminio ou do lado de Calvino. A estes ele atribui o falso "evangelho do teologicocentrismo", ou, o "evangelho centralizado na Teologia". Em tese, o autor não fica do lado de nenhum dos grupos! No entanto, o capítulo faz uma salada mista danada, criticando também os evolucionistas teístas, e outros mais, fazendo, contudo, questão de reservar a pancada maior e mais ferina contra a Teologia Reformada, que incendiou o mundo através de homens como Lutero, Calvino e Tomas Crammer. Que crítica é feita diretamente ao sistema Arminiano? Previsivelmente, nenhuma.
E abram alas para o deslife de preconceitos!

(I)"Embora os adeptos do teologicocentrismo façam da teologia a sua fonte máxima de autoridade, somente a Palavra de Deus é inerrante, infalível e incontestável. Todas as outras fontes servem apenas como ferramentas acessórias para interpretação das Escrituras" (pg. 97).

Que haja teólogos que façam isso não é de se duvidar, mas, é o caso dos Teólogos Reformados? Se é, quais? Qual dentre os teólogos reformados - ou mesmo dentre os arminianos - defende sua teologia como sendo mais autoritativa que a própria Escritura? Observe que aqui não há uma critica a conclusões doutrinárias tidas como errôneas pelo autor, mas ao próprio exercício teológico. Nem é o caso de pretendermos refutar seus argumentos contra a Teologia Reformada. Acontece que, do modo caricato como ele pinta os cristãos que discondam de seu arminianismo, a simples reflexão teológica transforma-se em teologicocentrismo. Ora, por acaso existe algum teólogo tão original que não precise, nunca, recorrer a uma outra citação dos grande nomes da Tradição Cristã? Teria o amado irmão Ciro alcançado tal grau de originalidade?  Ou será que, ao defender abertamente em seu livro a teoria pré-tribulacionista, ou a predestinação coletiva, seja ele mesmo um pregador de evangelho "teologicocentrico"?
(II) "Os defensores desse evangelho não aceitam que haja uma fonte máxima de autoridade - a  Palavra de Deus -, considerando a teologia a sua principal fornecedora de argumentos lógicos e confiáveis. É claro que não desprezamos a grande contribuição dos teólogos, ao longo da história, porém qualquer teologia que rejeite  a inspiração  plenária da Palavra de Deus deve ser rechaçada" (Pg. 98).

Sendo o capítulo em questão quase inteiramente dedicado a refutar o evangelho "teologicocentrico" da Igreja Reformada, faltou ao autor nos dizer quais de seus teólogos agem do modo descrito por ele. Afinal, quem dentre os pilares da Teologia Reformada já negou a "inspiração plenária da Palavra de Deus"? Calvino? Lutero? Crammer? Knox? Witerfield? Algum outro? Ora, mesmo rejeitando boa parte da Teologia de Jacob Arminuis, longe de mim a atribuir a ele acusações infundadas, cujo único interesse seria defender minha própria Teologia.
(II) "Muitos estudiosos sinceros, ao abrir mão da Bíblia - por influência dos teologicocentristas -, firmam-se em correntes teológicas tendendiosas, esquecendo-se que a Palavra de Deus está acima de tudo e todos" (pg. 98).

Verdade? Mas, neste caso, como é possível fazer teologia? Claro que a Escritura está acima de tudo e todos, no entanto, nós não somos a Escritura, e nem somos inspirados como seus autores; logo, cabe a nós a árdua tarefa de interpretar a Palavra de Deus - e para isso precisamos da Teologia. Agora, vejamos: se ao escolher esta ou aquela corrente teológica, o cristão está - como acusa o autor - colocando-a acima da Palavra de Deus, quer dizer que "verdadeira teologia" é aquela que fica em cima do muro, sem escolher nenhum dos lados? Há! Alguém pode responder: "Devemos ficar do lado da Palavra de Deus!". Isso é certo, mas não tão rápido: é fato, como já afirmamos, que o autor do livro defende abertamente as teorias pré-milenista e pré-tribulacionistas. Ora, também é fato que nenhuma destas duas teorias "caiu" do céu, mas surgiram na História da Igreja. O pré-milenismo remonta aos dias de Orígenes, enquanto que o pré-tribulacionismo nasceu com as visões da jovem Margareth MacDonald! E agora, Ciro?
Ciro Sanches Zibordi coroa o capítulo 5 se apresentando para "refutar" os Cinco Pontos do Calvinismo. Como ele faz isso? Valendo-se dos argumentos que Jacob Arminus elaborou a centenas de anos atrás!  Aqui reside a maior prova do preconceito: todas as críticas à Teologia Reformada, e nenhuma à Teologia Arminiana! Doutrina arminiana que, aliás, é adotada pela denominação a qual o autor faz parte. É um direito  que ele tem adotar um dos lados do debate, mas ao pintar os calvinitas como “teologicocentricos”, ou como se negassem a autoridade das Escrituras, ou sua inspiração, sua critica acaba sendo ao exercício teológico em si, e não apenas ao Calvinismo - além de, como efeito colateral, iludir os incautos que imaginam que ele mesmo, o autor, não está argumentando com base em alguma teologia específica. Ao tentar criticar um falso evangelho - que ele chama de teologicocentrico - ele acabou cravando a espada no coração do saber teológico em si. Eu rejeito a teologia arminiana do Pastor Ciro, mas longe de mim lançar a ele as mesmas acusações preconceituosas que ele dirige a nós, Reformados.
Outra prova de preconceito contra o exercício da Teologia pode ser encontrada no Capítulo 6, no qual Pastor Ciro se dispõe a abordar a questão da Filosofia. Novamente, misturando os temas, ele faz nova salada ao tentar abordar a questão Escatológica para "puxar sardinha" para a visão defendida por sua Denonimação; a saber, a visão Pré-Milenista e Pré-Tribulacionista. Uma vez mais, o problema não está em o autor defender sua própria visão, mas em representar de modo falso a teologia dos outros, e transmitir a falsa ideia de que ele mesmo não seja adepto de nenhuma teologia!
(III) "Alguns sistemas teológicos de interpretação quanto ao futuro têm como fonte de autoridade a razão, e não a Palavra de Deus. Não é mais fácil, em vez de abraçar um sistema aparentemente lógico de interpretação, respeitar o que está escrito nas páginas sagradas? Segundo a Bíblia, ocorrerá o Milênio, e Cristo voltará antes desse período de mil anos" (Pg. 124).

Segundo ele, apenas a sua teologia - a saber, a Pré-milenista - tem a Bíblia como fonte de autoridade. Apesar de ele limitar o alcance de sua afirmação començando a frase com "alguns sistemas", o fato é que, a conclusão é justamente o oposto disso, uma vez que ele associa a negação da teoria Pré-Milenista com a negação da Bíblia como fonte de autoridade. Além do evidente preconceito (para não dizer injúria), este paragrafo do livro demonstra outra triste realidade: que nossos principais teólogos brasileiros - e tenho, sem hipocrisia, Ciro Sanches em tal estima - ou ainda estão devendo em matéria de conhecimentos teológicos, ou em conhecimentos de lógica, uma vez ser difícil acreditar que alguém possa se contradizer tão claramente num mesmo parágrafo. Mas, a auto-contradição ainda não acabou; depois de chamar todos os não Pré-Milenistas de hereges, e defender abertamente o Pré-Milenismo, ele nega que o seu próprio Pré-Milenismo seja verdadeiro: "Como se vê, é a Palavra de Deus quem tem razão! E não o pré-milenarismo, o pós-milenismo ou o amilenismo..." (Pg. 125).
Não é o caso de não se poder criticar esta ou aquela teologia, como se todas fossem igualmente verdadeiras. Isto seria um erro tão grave, ou ainda maior, que o cometido na obra acima citada. Certamente há teologias ruins, e até perniciosas. É o caso, entretanto, de se analisar as conclusões obtidas pelo exercício teológico de alguém, e não o exercício teológico em si. Quando você desqualifica alguém pelo seu exercício da teologia, não é o erro que sai prejudicado, mas a Teologia mesma. Pensar sobre Deus, ou seja, fazer teologia, é a mais sublime atividade que o homem pode exercer, e, até certo ponto, todos dedicam-se a ela - até mesmo os ateus e agnósticos.
Infelizmente, há tanto preconceito contra o saber teológico, que o simples ato de  defendê-lo provavelmente soará estranho aos ouvidos de uma maioria. Nada há de mais valor, apesar de todo o preconceito da nossa era, que rejeita um passado grandioso, no qual a Teologia era a "rainha" das ciências. Apesar de não ser bom negócio abrir novo tema em um texto que se pretende concluir, acrescento ainda que o saber teológico é necessário "não apenas para as atividades cristãs, mas também para tudo da vida  e do pensamento" (CHEUNG). Tudo, sem exceção. Chegará o dia em que, com a Graça de Deus, em cumprimento de Seu Plano Redentivo, a Igreja buscará nas Escrituras a vontade de Deus para a moral, a economia, a política, a ciência, a educação, a tecnologia, e tudo o mais.
Vivemos, porém, em dias de grande preocupação com o imediato, o prazer do agora, e os benefícios pessoais. Alugamos salões e garagens; recusamo-nos a edificar cadetrais. Somos a geração do descartável, inclusive em nossa religião. Temos, claro, alguma teologia, mas que de tão rasa, é como se, de fato, não a tivéssemos, e quase torna verdadeira a ilusão de não a termos (exatamente como gostaríamos). Estamos perdendo o barco da História; por nos esquivarmos do objetivo maior da existência - conhecer a Deus - tornamo-nos irrelevantes. Olhando em volta, notamos que o evangelicalismo moderno não sabe nem o que crer sobre Deus, nem em como obedecê-lo, já está passando da hora de perdermos o medo de pensar.
Marcelo Lemos, teólogo com muito gosto, para o Genizah.

2 comentários:

  1. Paz do Senhor querido! venho através deste comentário te convidar a participar do blog da nossa igreja a qual estou na direção: adjardimpaulistaalto2.blogspot.com.br - Grato pela vossa honrosa visita e seguimento. Saudações em Cristo Jesus!

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  2. Amigo e irmão Marcelo, passei e encontrei o seu blog e fiquei algum tempo a ler algumas coisas, me deixou maravilhado pelo que escreve, e ao ler suas postagens somos edificados. Gostei de poder encontrar alguém que ama Jesus, e pelo que li deu para notar que também ama o próximo. Que Jesus continue a derramar a Sua paz e unção sobre sua vida, deixo um convite se desejar fazer parte de meu blog eu ficaria radiante em ter pessoas assim como meus amigos virtuais, de seguida irei retribuir seguindo também seu blog. Obrigado que o amor de Jesus seja a cada dia consigo e com sua familia. António Batalha.

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